Apesar de enfrentarem quase os mesmos problemas, a mulher angolana ligada à geociência ainda não está no mesmo pé de igualdade com o homem. Há uma enorme desigualdade de número entre as senhoras e os homens que vão sendo contratados pela indústria, mas, com esforço e dedicação, elas têm conseguido romper as barreiras do preconceito que, infelizmente, ainda reinam em muitas empresas do sector, e isso não acontece só em Angola. Imbuída de espírito de resiliência, em 2015, a engenheira Esperança Garcia dos Santos decidiu criar a Associação Angolana de Mulheres de Geociência, que, em tão pouco tempo, deu ar da sua graça e se impôs dentro da indústria mineira angolana. Inicialmente com apenas 25 membros, a agremiação conta hoje com 225 associadas. Integra mulheres de todas as áreas ligadas a ciências da terra. A AAMG ganhou seu espaço e transformou-se na principal plataforma de promoção das engenheiras angolanas. Seu trabalho tem recebido reconhecimento internacional. No passado dia 26 de Julho, trouxe a Angola a 10.ª Conferência Internacional das Mulheres Africanas ligadas a geociências. Hoje, com o sentimento de dever cumprido, Esperança Garcia dos Santos, que esteve na génese da criação desta agremiação angolana, recua no tempo para recordar como tudo começou. Em entrevista ao Minas de Angola, a Presidente da Associação Angolna de Mulheres de Geociência em Angola deixou...
Qual é hoje a condição da mulher angolana ligada à geociência? Actualmente a condição da mulher angolana ligada à geociência está boa e a tendência é de melhorar, porque as senhoras, as jovens mulheres, na sua maioria licenciadas, vêm que é possível ultrapassar-se determinadas limitações e determinados tabus. É de facto um desafio podermos nos inserir neste sector, que é predominantemente masculino, mas também não é impossível. Se nós mulher tivermos objectivos, tivermos foco, será de facto possível podermos trabalhar. A mulher hoje em dia está a tornar o trabalho que diziam ser difícil, não diria mais fácil, mas mais familiar. O que acha que terá contribuido para esta evolução? É muito trabalho de sensibilização. Esta geração é a geração das TICs, há muita informação. Já é possível a pessoa fazer opções. Por outro lado, também as associações profissionais têm feito o seu papel. Entrando agora para a associação angolana das mulheres de geociência. O que motivou a criação da AAMG há 8 anos.? Eu estou licenciada nesta área há 32 anos e, naquela altura, éramos muito poucas senhoras nesta área. E já tive situações em que num acampamento ficavamos 100 e tal homens e eu a única senhora. Então, era um mundo muito fechado para as senhoras.Mas aí eu estava, e numa altura em que também não se falava da profissão, para as senhoras era mesmo um caso quase que nulo. Foi nesta ordem de ideia que nasce AAMG? Eu estava aí e estava determinada… e então pensei: como é que eu faço? Não dava para desistir dos meus objectivos e comecei a dar aulas… sempre dei aulas desde muito cedo, muito antes mesmo de terminar a minha firmação. Quando fui dar aulas para a Universidade Técnica de Angola, (UTANGA), notei que as turmas que eu leccionava a maioria era senhora, eram jovens mulheres… havia poucos rapazes e notava que as jovens eram muito dedicadas e já havia esse problema: professora nós vamos fazer a formação e depois é dificil o emprego, é dificil, pois aqui só temos ou Endiama, ou Catoca ou a Sonangol, que também já são ocupadas... Como é que vai ser? Em 2011, com a necessidade de agregar valor à miha formação, para não dizer condição, porque é verdade que eu tambem estava aflita (risos), queria melhorar, queria sempre mais… eu sempre aí e diria graças às TICS, ver as associações, queria fazer algo mais ligado à mineração e, nessa altura, eu até já estava ligada a um projecto de mineração, já era directora do projecto Chitamba, que foi um projecto de prospecção… já estava ligada a diamantes. Este projecto estava ligado a um aempresa canadense e falavam-me das associacões e então e percebi que também em África há uma associação e mesmo naquela altura. Como é que a AAMG sobrevive? Falar da associação, estamos a olhar para aquelas empresas do sector, que mesmo que não são muitas, porque temos colegas que até agora não encontram empregos… Então, temos as contribuições das jovens senhoras estudantes, que são mínimas. A quota para esta categoria é 500 kzs mês, um valor simbólico. Parece ser muito pouco? Não é pouco, porque a maioria não trabalha. Os encarregados pagam as propinas, ter que subcarregar mais… para nós que trabalhamos a mínima é de mil kwanzas, quem quiser dar mais pode dar e, felizmente, temos muitas colegas que dão muito mais. Foi graça a essa ousadia que hoje nos encontramos aqui a acolher a 10.ª Conferência Internacional. O que influenciou na escolha de Angola como o país acolhedor? Depois de constituirmos a AAMG, lembro-me aconteceu a 7.ª conferência, que foi em Windhoek. Eu convidei uma colega e conseguimos mobilizar os patrocínios, tivemos patrocínio e aqui agradeço a Sociedade Mineira de Catoca e da Sociedade Mineira do Cuango, foram as empresas que haviam patrocinados nessa altura e fomos assistir a conferência e vimos que valia a pena, foi muito bom e muito interessante. Em 2018, fomos para a 9.ª conferência, em Marrocos. Nessa altura, já haviamos aderido a associação africana como membros e tornou-se muito mais fácil. E nós fomos participar sempre com patrocínios de empresas mineiras. E fomos muito aplaudidas. No final da conferência normalmente indica-se outros países a acolher a próximo evento e havia outros países, estavam o Senegal, Cot’divoire e Angola. Quem colocu o nome de Angola foi a Dra. Beatriz, que fazia parte da Associação Africana (que Deus a tenha) e disse logo que Angola estava com capacidade para acolher a 10.ª Conferência. Houve a votação e Angola foi a mais votada e saímos eleitos. Como é que o governo angolano pode se servir da presente conferência? Pode extrair muita coisa e já tem extraído. O executivo dita as políticas e nós, se somos uma associação, então somos parceiros do governo, executamos essas políticas. Quando o governo diz que é necessário haver maior inclusão das mulheres nas geociências, então nós como associação executamos. Até 2030 queremos ter um número superior a mil senhoras, porque fica muito mais fácil trabalhar. Qual é hoje o principal desafio da vossa associação? O principal desafio é reduzir esta falta de emprego para as jovens mulheres, porque é nessa altura que elas precisam começar a trabalhar e não quando estiverem já na idade de reforma é que começam a ser contratadas para o trabalho. Tem que ser agora, e agora até que muitas ainda não constituíram famílias. E o quê que a AAMG tem estado a fazer para que a redução do índice de desemprego entre as mulheres em geociência aconteça o mais depressa possível? Temos trabalhado na Sensibilização junto das empresas mineiras sobre a possibilidade de poderem empregar senhoras. E, felizmente, esta mentalidade tem estado a mudar. Muitas têm estado a encontrar empregos. Um dos exemplos é que nós temos um protocolo de cooperação com a Sociedade Mineira de Catoca desde 2015 e que vigora até hoje e muitas jovens mulheres conseguiram estágio em Catoca e uma ou outra até emprego, porque o nosso compromisso é estágio e depois daí quem toma a decisão é a empregadora. Há outros convénios? Há sim. Nós também temos um vonvénio com Cuba, porque isso é como tudo, há aquelas não não podem ir trabalhar para as minas, porque trabalhar nas minas implica deixar a família e isso pode trazer outras implicações e então nós aconselhamos a abraçar a carreira docente universitária. Nós estivemos em Cuba onde conseguimos assinar um convénio com o Instituto Metalúrgico Mineiro de Moa para dar formação específicas nas senhoras que quiserem abraçar a carreira docente. E ainda temos os nossos parceiros que são a Catoca, Endiama, Cuango e Sonangol. E também fizemos um contacto com o Ministerio para o Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação e a ideia foi bem acolhida. Já que frizou, aproveito para levantar a questão da rotatividade do tempo de mina. Qual o plano da associação para atender a estas preocupações? Este é um tema muito debatido em palestra e mesas-redondas em que participo e já está a haver maior sensibilidade por parte das empresas. As empresas petrolíferas já adoptaram isso faz tempo, porque também estavam muito mais alinhadas, não só a nível de Angola, mas era um alihamento a nível internacional, que não acontece com outras empresas de minerais sólidos. Há algo em concreto que a AAMG pensa fazer junto das empresas para minimizar a situação? Talvez não seja necessário. Mas seja mesmo contar com a sensibilidade dos gestores das empresas. Muito já se mostraram flexíveis a abraçar. Então, acredito que em pouco tempo isso irá mudar. A nível dos salarios há alguma disparidade entre aquilo que se paga num homem com aquilo que se paga numa mulher, eventualmente exercendo a mesma função ou actividade na mina? Ou isso é um não-assunto? Não é assim assunto. Porque da mesma forma que nós mulheres reclamamos que estamos a ser mal pagas ou o salário é muito baixo é da mesma forma que os homens reclamam. O ser técnico, penso que não há qualquer discriminaão salarial. O que existir fora disso, eu acho que são já algumas anomalias dentro das empresas. No entanto, muitas mulheres hoje estão a abandonar a mina em troca de áreas administrativas. Se calhar não diria abandonar. Trabalhar na mina tem tempo, de certeza. E é o que temos discutido sempre. Tem as doenças geológicas, as doenças provenientes das práticas da mineração. Existem as doenças cavadas pela própria mineração. Então, quanto mais tempo lá ficares estás exposto a isso, e muitas vezes de forma irreversível. Por isso, aconselha-se, de facto, que quanto menos tempo ficar lá melhor. Agora, só depende de cada um, dos seus objectivos, o que pretende e onde pretende chegar. E claro, quando a pessoa já não quiser ficar na mina e acha que chega o tempo de mina, vai trabalhar numa outra área, na área administrativa, mesmo até numa área técnica ou de concessão.
A nossa linha editorial assenta no relato de informação sobre o sector dos recursos Minerais (Não Petrolíferos) em Angola, com incidência nas actividades geológicas e minerais, nomeadamente, a prospecção, exploração, desenvolvimento e produção de minerais, distribuição e comercialização de produtos minerais, protecção do ambiente.
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