
GEÓLOGA AGNELA MIRANDA: “SOU CAPAZ, POSSO FAZER A DIFERENÇA NUM SECTOR TRADICIONALMENTE DOMINADO POR HOMENS”
- Fonte: Minas de Angola
- Data de Publicação: 2023-03-14
- Texto: Albino Calima
- Fotografia: Cedida
Agnela de Jesus Bezerra
Miranda é uma mulher das minas e um dos rostos femininos mais promissores do
sector. O perfil desta profissional acaba por deitar por terra a ideia de que
não há espaço para as mulheres na indústria mineira angolana. A geóloga mostra por A
mais B que as mulheres são capazes de operar equipamentos pesados, dominar solos e liderar equipas em ambientes desafiantes. Formada em Minas pela
Universidade Agostinho Neto e pós-graduada em Direito e Gestão de Petróleo e Gás, está no sector há cinco anos. Hoje, é uma mulher viciada em minas. Seu primeiro contacto com a indústria começou numa empresa de
inspecção ambiental de operações petrolíferas. A dedicação e competência atraíram a atenção de uma sociedade mineira. A geóloga defende com “unhas e dentes” que a mulher acabar por ter um papel determinante na indústria. Mas,
sublinha, elas só conseguirão garantir o “tão desejado” espaço, se continuarem a
se formar e se informar. A profissional vai mais longe
e deixa nesta entrevista, alusiva ao "Março Mulher", o seu parecer sobre os actuais desafios da mulher
angolana na mineração. Acompanhe!
Como
veio parar na indústria? Terminei a minha licenciatura
em 2015. Contudo, Angola vive uma crise económica e financeira desde 2014, que
provocou o encerramento de inúmeras empresas nos mais variados sectores, em
todo o território nacional. Foi neste contexto que me estreei no mercado de
trabalho. Apliquei-me para diversas empresas do sector petrolífero, mas sem
sucesso. E porque a trajectória da vida não é linear, candidatei-me para o
sector mineiro, especificamente no diamantífero onde me foi dada a oportunidade e
embarquei na carreira de geóloga, que serviu para despertar a minha paixão pela
indústria. Quais
são seus maiores desafios e perspectivas? Ainda há muito que se ver
e fazer. Estamos a caminhar. Já não estamos onde começamos. Contudo, precisamos
olhar para onde queremos chegar. O que estamos a plantar agora? Que tipo de
quadros queremos ter? Fala-se muito em anos de experiência, mas o
mundo está em constante evolução as técnicas de exploração evoluíram. Hoje,
temos drones, softwares que facilitam o planeamento e acompanhamento dos
trabalhos. É preciso apostar-se na formação contínua, passagem de conhecimento,
plano de carreira, sistematização e qualificação da mão-de-obra nacional. Por
aquilo que vê e vive, qual acha que é ou devia ser o papel da mulher angolana
na indústria mineira? Angola é rica em
minerais. São visíveis os esforços em prol do desenvolvimento e aproveitamento
dos nossos recursos, mas também é rica em mulheres. Até 2016 haviam 67 homens
por cada 100 mulheres no país. Portanto, é nossa responsabilidade contribuirmos para
o crescimento e estabelecimento da indústria, que até o momento é liderada por
homens. Precisamos formar-nos, informar e entender que somos capazes de
ultrapassar as nossas limitações para garantirmos o nosso “tão desejado” espaço
no sector. Não apenas na cozinha e administração, como também na
operação de equipamentos, na engenharia e na liderança de equipas em ambientes
desafiantes. Mas,
parece não ser fácil isso… Importa realçar que a
dificuldade de conciliação entre a vida pessoal e profissional, devido à
rotação a que nos submetemos, é real e pesa mais sobre as mulheres, dificultando
a progressão activa neste sector. Mas também é nosso papel gerar e proporcionar
políticas que visam o bem-estar e equilíbrio da mulher mineira. Pelos
anos de experiência, associado ao nível académico, acha que hoje a Agnela seria
muito mais respeitada ou reconhecida profissionalmente se estivesse a
desempenhar uma outra actividade? Não sei o que poderia
acontecer se estivesse em outra área ou actividade. Porém, digo com toda certeza
que não trocaria por nada tudo que sou e aprendi neste sector ‘mineiro’. Sei que o caminho
é longo e tenho muito que percorrer. Mas, é um desafio a que me exponho e
permito-me viver. Como havia referido, muito mais que o reconhecimento de
terceiros, valorizo a satisfação pessoal por saber e provar a mim mesma de que sou
capaz, que posso fazer a diferença num sector tradicionalmente dominado por homens,
e que ao final do dia ainda que cansada, sinto-me realizada. Porquê
diz isso? Porque amo o que faço. Onde
começa e termina sua actividade como geóloga mineira? O geólogo desempenha um
papel fundamental e de muita responsabilidade nas minas. O meu papel é
pesquisar e identificar áreas de exploração, garantir a realização da extracção
de acordo com os pressupostos traçados, evitar diluição, acompanhar as
diferenças e ocorrências geológicas no bloco (caso hajam, podem influenciar nos
resultados obtidos); planear e gerir a produção. Como
é o seu dia-a-dia na mina? Normalmente o dia nas
operações mineiras começa muito cedo. Por volta das 05:00 da manhã, saio para o
escritório levando todo material que devo usar (bússola, mapas, GPS, caderneta). Às 05:30 ou 06:00 já estou à frente do trabalho com a equipa, na minha área
preferida dentro da geologia mineira, que é a prospecção. Claro que defino
previamente o plano de trabalho no escritório com base no mapa do perímetro de
exploração para, posterior implementação no terreno. Ao
longo desses anos, viveu alguma experiência boa ou má que gostaria de partilhar
connosco? Os meus primeiros dias
foram maravilhosos… como mulher, nova na área, fui muito bem recebida e tratada
pela empresa e pelos colegas, de forma geral. Cheguei até a pensar que o
trabalho mineiro fosse fácil. Um mês depois, quando o meu colega saiu de
licença de férias e acabou por ficar seis meses por questões de saúde, precisei
substitui-lo e passei eu a orientar os
trabalhos na área de prospecção. Tive um choque de realidade e fui obrigada a
superar todos os desafios que se apresentaram, porque não tinha ninguém para me
auxiliar. Como
fez para conseguir sair-se vitoriosa?
Foram dias difíceis mas,
me proporcionaram as bases e ferramentas necessárias para continuar a trilhar o
meu caminho profissional com maior confiança, com uma equipa só de homens, num
ambiente desafiante e isolado das matas. Hoje a equipa está a crescer, cada vez
mais coesa e o meu foco está em responder com zelo e dedicação aos desafios que
me são apresentados. É bem verdade que Deus envia pessoas em nossas vidas que
nos dão força e a elas eu agradeço por lembrarem-me que, com trabalho e
dedicação, posso atingir os meus objectivos.